Com o placar final de 9 votos a 2, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que são constitucionais os dispositivos da Lei Complementar 105/2001 e de regulamentações posteriores que permitem o fornecimento pelos bancos à Receita Federal de informações sobre movimentações financeiras de contribuintes, sem necessidade de autorização judicial.
Na sessão foi concluído o julgamento conjunto de um recurso extraordinário com repercussão geral (RE 601.314) e de quatro ações de inconstitucionalidade que contestavam a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da LC 105, por configurarem quebra de sigilo bancário, com violação do artigo 5º, inciso 12 da Carta de 1988 (“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”).
Ficou ainda decidido pela maioria que o relator do acórdão deverá “explicitar” que os estados e os municípios devem promover regulamentos – assim como fez a União no decreto 3.724/2001 – prevendo: processo administrativo para a obtenção dessas informações; adoção de sistemas adequados de segurança e registros de acesso pelo agente público, a fim de evitar a manipulação indevida dos dados e/ou desvio de finalidade; garantia ao contribuinte da prévia notificação da abertura do processo e amplo acesso aos autos.
No último dia 18, o julgamento dos feitos tinha sido suspenso quando já se consolidara uma maioria de seis votos pela constitucionalidade da LC 105, integrada pelos ministros Edson Fachin (relator do RE), Dias Toffoli (relator das ADIs), Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O único voto divergente foi o do ministro Marco Aurélio.
Na retomada do julgamento, votaram os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes, ausentes na sessão da semana passada; o decano do STF, Celso de Mello; e o presidente Ricardo Lewandowski. Apenas Celso de Mello ficou vencido, acompanhando a divergência aberta por Marco Aurélio. Ou seja, os dois ministros mais antigos da Corte – Celso de Mello e Marco Aurélio – procuraram manter a jurisprudência vigente até o julgamento do RE 389.808, em dezembro de 2010. Gilmar Mendes e Lewandowski mudaram de posição, aderindo à maioria já formada neste novo julgamento.
A corrente vencedora entendeu, em síntese, que os dispositivos legais da LC 105 contestados no recurso extraordinário e nas quatro ações de inconstitucionalidade (ADIs 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859) não configuram violação da intimidade, por não se tratar, propriamente, de quebra do sigilo bancário, mas de transferência de informações – dos bancos para o Fisco – de dados a quem têm acesso até os próprios gerentes das agências bancárias.
Os votos
Na sessão plenária desta quarta-feira, Luiz Fux aderiu logo à maioria, destacando que sua posição coincidia com o voto do seu colega Roberto Barroso. Ambos defenderam a tese de que a regra geral da quebra ou transferência de sigilo bancário deve ser a reserva de jurisdição, mas que a regra poderia ser atenuada no caso da Receita Federal. Isso por que a Receita já é “destinatária natural dessas informações”, e o contribuinte que cumpre as suas obrigações já presta, anualmente, informações relevantes sobre seus saldos, pagamentos a terceiros e investimentos.
O ministro Gilmar Mendes – que “evoluiu” com relação ao recurso julgado em 2010 – proferiu um extenso voto, no qual citou doutrina sobre os possíveis limites à proibição constitucional de acesso a dados privados. A seu ver, a LC 105 é constitucional, tendo em vista que direitos fundamentais como os da privacidade e da intimidade têm “forte conteúdo jurídico”, ou seja, são “direitos passíveis de conformação” e, portanto, sujeitos a determinadas limitações legais. Assim, a temática deve ser analisada sob o prisma do “princípio da proporcionalidade” e, no caso em questão, não se pode confundir o princípio constitucional com a necessidade de “informação necessária ao Fisco”. Mendes enfatizou o “papel essencial” dos tributos no estado democrático de direito, levando-se em conta que o estado de hoje depende dos tributos para que possa existir e funcionar. Ele exemplificou como uma exceção comum e usual ao princípio fundamental do respeito à intimidade a prática de fiscalização de bagagens nos aeroportos.
O decano do STF, Celso de Mello – apesar de já vencido, juntamente com Marco Aurélio – fez questão de reafirmar o voto proferido em 2010. Afirmou que “não configura demasia insistir na circunstância – que assume indiscutível relevo jurídico – de que a natureza eminentemente constitucional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado pelo texto da Constituição da República, a necessidade de intervenção jurisdicional no processo de revelação de dados pertinentes às operações financeiras, ativas e passivas, de qualquer pessoa eventualmente sujeita à ação investigatória (ou fiscalizadora) do Poder Público”.
Para Celso de Mello, “a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs, pressupõe, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporá à instituição financeira o dever de fornecer, seja à administração tributária, seja ao Ministério Público, seja, ainda, à Polícia Judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas”.