O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seu artigo 18, diz que os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Mais adiante, o código considera impróprio para consumo os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos (§ 6°, I).
Não obstante, a Lei 8.137/90, que define crimes contra as ordens tributária e econômica e contra as relações de consumo, reprime com pena de detenção, de dois a cinco anos, ou multa, o ato de vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo (art. 7º., IX), com possibilidade de redução de um terço da pena em casos culposos.
A jurisprudência, desde o advento de tais legislações, vem responsabilizando os estabelecimentos comerciais pelo fato de expor à venda produtos que estejam com as datas de validade vencidas, condenando-os ao pagamento de quantias indenizatórias, as quais além de considerar o valor do produto, estabelecem o ressarcimento em danos morais em valores cada vez mais significantes para inibir tal conduta.
No âmbito criminal, não raramente ocorrem diligências policiais impondo o constrangimento para a condução coercitiva dos gerentes de supermercados às delegacias de polícia, ranço esse do autoritarismo que ainda enxerga na prisão uma forma discutível de correção de conduta empresarial, notadamente quando de pequeno potencial ofensivo. O que, inclusive, está na contramão das legislações consumeristas mais modernas e até mesmo do Pacto de San José da Costa Rica (“Ninguém pode ser submetido à detenção ou encarceramento arbitrários, art. 7º, item 3”), do qual Brasil é signatário.
Há, ainda, as autuações vertiginosas dos órgãos da administração (Procon, Ipem, Vigilância Sanitária), impondo, por vezes, sanções desproporcionais com critérios de penalização estimados em percentuais sobre o faturamento bruto, que superam em escala exponencial o valor do produto autuado.
Ressalte-se, ademais, que a verificação de prazos de validade não é automatizada, sendo, portanto, uma atividade humana. Nesse contexto, por mais que haja um rigoroso processo de controle e fiscalização da validade, sabemos que o ser humano não é infalível, e pode ocorrer que um breve descuido permita o produto permanecer na gôndola, além do prazo previsto na embalagem.
Como alternativa a esse complexo cenário, e diante das preocupações do setor supermercadista que dispõe de milhares de itens nas suas lojas, desdobrados numa infinidade de SKUs, no estado de São Paulo, a APAS e o Procon firmaram, em outubro de 2011, o acordo De Olho na Validade, com base no critério que decorre da lógica do 1 para 1, ou seja, para cada produto que foi encontrado pelo consumidor, antes de passar pela caixa registradora com a data de validade vencida, o consumidor receberá gratuitamente o mesmo produto, dentro do prazo de validade.
Podemos considerar que a campanha possui vários aspectos positivos pelos agentes envolvidos: pelo consumidor, evita-se que o risco de levar para sua casa o produto vencido. Pelo lado do estabelecimento, atende-se à legislação, realizando a substituição do produto em perfeito cumprimento ao Código de Defesa do Consumidor, além de corrigir a desproporcionalidade que existe nas penalizações decorrentes dos produtos vencidos. Pelos órgãos públicos, melhora a eficiência fiscalizatória, com a retirada dos produtos vencidos, sem a necessidade de autuação.
Vale lembrar que a adesão à campanha não é obrigatória, ou seja, somente participam dela os estabelecimentos que assim desejarem. Assim, nenhum estabelecimento poderá ser multado ou autuado por não participar da campanha, sendo que as regras principais desta podem ser verificadas aqui. Ressalte-se, ainda, que a APAS não dispõe de qualquer lista de associados aderentes à campanha, já que se trata de uma adesão voluntária.
Por outro lado, há sempre aqueles que procuram se aproveitar das boas iniciativas para buscar vantagem em proveito pessoal. Infelizmente, assim como muitas leis no Brasil, existem casos de abuso, e como tais, devem ser tratados como exceção.
Evidente que tais casos configuram abuso de conduta o que deve ser apurado para verificar se, nesses casos, o consumidor é a parte verdadeiramente vulnerável ou está agindo de má-fé. Os tribunais têm cada vez mais condenado o consumidor que age em flagrante litigância de má-fé, utilizando indevidamente do processo para alcançar objetivo ilegal.
Por fim, entendemos que iniciativas como a campanha De Olho na Validade são atributos valiosos para que o supermercadista possa cumprir a legislação, que dá oportunidade de fazer o ressarcimento ao consumidor e cumprir a lei, evitando as consequências danosas de autuações administrativas, condenações judiciais ou danos que afetem a boa imagem do estabelecimento, sendo assim, uma salutar ferramenta de resolução de conflitos e apaziguamento das relações consumeristas.
Artigo escrito por Rogério Levorin Neto, coordenador Jurídico da APAS