No dia 29 de outubro, no auge da fritura pelo chamado PT lulista, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu ISTOÉ em seu gabinete. Aparentando tranquilidade, a despeito de arder na fervura do fogo amigo – e inimigo – concedeu a entrevista abaixo:
ISTOÉ – O ex-presidente Lula reclamou com o sr. sobre abusos nas investigações?
Cardozo – Nunca recebi do presidente Lula nenhuma crítica direta e tenho tido com ele uma excelente relação. Pela imprensa, sei que setores do PT e da oposição criticam a minha postura de não “controlar” as investigações. Tenho minha consciência absolutamente tranquila em relação a isso. Em um Estado de Direito, o ministro da Justiça não deve jurídica e eticamente tentar controlar uma investigação, dizendo que não se investigue um amigo ou se puna inimigos. A lei é igual para todos. O ministro da Justiça só deve atuar para exigir que a lei seja cumprida, apurando eventuais abusos e arbitrariedades por parte de policiais.
ISTOÉ – O presidente do PT, Rui Falcão, disse que o ex-presidente Lula está sofrendo uma perseguição “inominável”. O sr. concorda?
Cardozo – O PT tem o direito de se manifestar sobre aquilo que crê. Já o ministro da Justiça não pode emitir juízo de valor sobre investigações que estão em curso. Salvo se houver alguma denúncia concreta de que algum mandamento legal foi violado por autoridades policiais. Nesse caso, o ministro da Justiça deve determinar a abertura de inquérito policial ou processo disciplinar e, ao seu final, emitir sua decisão.
ISTOÉ – O sr. acha que Lula e família estão sendo injustiçados?
Cardozo – Conheço o ex-presidente Lula há muitos anos, como cidadão e como petista. Acredito, sinceramente, que ele jamais se envolveria em desmandos de qualquer natureza, nem permitira que pessoas próximas o fizessem.
ISTOÉ – Se o sr. mesmo acha que “Lula jamais se envolveria em desmandos nem permitiria que pessoas próximas o fizessem”, não é razoável que ele próprio se sinta vítima de um abuso da PF?
Cardozo – Não se pode confundir as coisas. O cidadão José Eduardo tem suas crenças e convicções, formadas ao longo de sua experiência de vida. Já o ministro tem o dever constitucional de respeitar o Estado de Direito e cumprir a lei. Jamais transformando as suas razões pessoais ou convicções íntimas em razões de Estado. A lei deve ser cumprida, independentemente do que pensa o cidadão José Eduardo. Como ministro, só intervirei quando houver caracterização de um descumprimento objetivo da lei ou de abuso de poder por parte de policiais. Até agora não recebi nenhuma representação de quem quer que seja no sentido de que algum policial tenha violado algum dispositivo legal. Aliás, é importante observar que no caso da busca e apreensão determinadas em relação à empresa do filho de Lula, foi uma medida solicitada pelo Ministério Público Federal e não pela Polícia Federal, decidida por juíza de direito regularmente investida nas suas funções.
ISTOÉ – O sr. está no PT desde a fundação do partido, há 35 anos. Como é ver a militância pedir a sua demissão?
Cardozo – Quem se sentir magoado por críticas dessa natureza não deve jamais aceitar ser ministro da Justiça. Nessa hora, é importante avaliar se atuo de acordo com os princípios democráticos e republicanos que acredito e que tenho defendido ao longo da vida. Aliás, entrei no PT e permaneço nele porque meu partido sempre defendeu o Estado de Direito, a distinção entre o público e o privado e a ideia de que a lei deve ser cumprida para todos. E venho me comportando como ministro exatamente dentro desses pressupostos. Não tenho nenhuma razão para me sentir incomodado. Incomodado deve se sentir quem ao longo do período de sua vida defendeu isso e agora nega o que sempre defendeu.
ISTOÉ – Quem, por exemplo?
Cardozo – Quem, eventualmente, ache que a lei não deva ser aplicada para todos.
ISTOÉ – O presidente do PT, Rui Falcão, disse nesta semana que a PF, o MPF, o Judiciário e a “grande mídia” estão fazendo uma perseguição a Lula e família. O sr. se refere a esse tipo de reação?
Cardozo – De forma nenhuma. Ele expressa uma posição partidária. Caso o PT entenda que há arbítrio de policiais federais ou ofensas à lei, poderá se dirigir ao Ministério da Justiça para a apuração dos fatos. Naturalmente, qualquer acusação exige a indicação de fatos concretos.
ISTOÉ – Parte da militância petista sugere que o sr. seja substituído. Outro ministro conseguiria controlar investigações?
Cardozo – O ministro da Justiça que tentasse controlar uma investigação, ele não só estaria ferindo a ética republicana, mas ele estaria cometendo um crime. Quem ocupar esse cargo até pode tentar usar subterfúgios para tentar orientar apurações, como já foi feito no passado. Nomeia-se diretores, superintendentes que possam usar seu peso hierárquico para fazer atuações políticas e para pressionar subordinados, os ameaçando de perseguição. Mas duvido que hoje, após a conquistada independência institucional da PF, adquirida sobretudo durante as gestões do ex-presidente Lula e da presidente Dilma, algum ministro consiga fazer isso de forma exitosa e sem ter problemas com a própria Justiça.
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Fonte: Revista ISTOÉ – Débora Bergamasco e Marcelo Rocha